O Mercosul não deve aceitar o coronel Hugo Chávez em sua mesa de decisões. Essa é a nova bandeira dos líderes empresariais argentinos. Desde a semana passada eles pressionam o Congresso e a presidente Cristina Kirchner para retirar o apoio oficial ao ingresso da Venezuela no bloco.
A campanha foi desencadeada pela estatização de três indústrias do grupo Techint, anunciada poucos dias depois de uma visita do presidente venezuelano à Argentina. O desaforo foi agravado quando Chávez garantiu ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, num encontro em Salvador, na Bahia, não ter a intenção de expropriar empresas brasileiras.
A presidente Cristina Kirchner aceitou facilmente a explicação do colega venezuelano sobre a declaração no Brasil - "foi uma brincadeira" -, mas o empresariado não ficou satisfeito. Afinal, a decisão de estatizar as três companhias foi mantida.
Os líderes do setor privado argentino tentam mobilizar os colegas brasileiros, paraguaios e uruguaios para impedir a sujeição do Mercosul aos objetivos da política bolivariana.
Se os empresários brasileiros entrarem no movimento e decidirem agir com determinação, talvez ainda possam impedir uma votação pró-Chávez no Senado. Na Câmara dos Deputados, a pretensão chavista de influir nas deliberações do bloco já foi aprovada.
A decisão do presidente Hugo Chávez de implantar na Venezuela o modelo socialista é soberana, "mas é contrária ao modelo de integração do Mercosul", disse o secretário da União Industrial Argentina, José Ignacio de Mendiguren.
Ele se referia não apenas ao compromisso democrático do bloco regional, mas também ao regime de investimentos nos países do bloco. Desapropriações como aquelas decididas na Venezuela são incompatíveis com a segurança jurídica indispensável à integração.
Em documento entregue a deputados da oposição, líderes empresariais condenaram a atitude complacente de autoridades argentinas: quando se ferem os interesses nacionais, "não se trata de uma decisão interna e soberana de outro Estado, como deploravelmente dizem membros do governo argentino, mas de medidas que afetam a relação entre países".
Essa mesma lição poderia ter sido ministrada ao governo brasileiro, quando baixou a cabeça e ainda tentou justificar as agressões à Petrobrás praticadas pelo discípulo boliviano de Hugo Chávez, o presidente Evo Morales.
A complacência da presidente Cristina Kirchner é explicável por sua dependência financeira do Tesouro venezuelano, principal financiador da dívida pública argentina. Sem acesso ao mercado internacional e sem disposição para buscar uma composição com o Fundo Monetário, as autoridades argentinas acabaram aceitando o auxílio de Chávez, empenhado em usar os petrodólares de seu país para ganhar influência política na América Latina.
As autoridades brasileiras não têm essa desculpa: alimentaram as ambições do caudilho venezuelano e de seus discípulos por mera incompetência na definição de seus objetivos estratégicos. Foi mais um dos muitos erros causados pela fantasia do presidente Lula de exercer uma liderança terceiro-mundista.
As preocupações do empresariado argentino são legítimas e plenamente justificadas pelos fatos. Mas há outros motivos para se rejeitar a presença de Chávez na mesa de decisões do Mercosul. Como o bloco é uma união aduaneira, nenhum de seus membros pode celebrar acordos de livre comércio isoladamente. Acordos desse tipo dependem da adesão de todos os sócios.
Será uma enorme irresponsabilidade sujeitar as negociações do bloco - e, portanto, sua integração no sistema global - aos interesses políticos do líder da Alba, a grotesca Alternativa Bolivariana para a América Latina. Se houvesse dúvidas quanto à vocação autoritária do presidente venezuelano, sobraria ainda essa questão fundamental: por que sujeitar os interesses externos do Mercosul aos caprichos de um homem como Chávez, que já declarou que quer ingressar no bloco para transformá-lo em instrumento de seu projeto bolivariano?
Em Brasília, os senadores governistas, obedientes ao presidente Lula, provavelmente votarão a favor do caudilho venezuelano. Caberá aos oposicionistas impedir o desastre.
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