Como o "New York Times" inventou Fidel Castro
Em fevereiro de 1957, Castro foi dado como morto depois de um desembarque catastrófico em Cuba. Perdido na montanha com um punhado de rebeldes, ele parecia condenado ao esquecimento. O encontro com um jornalista do "The New York Times" iria lhe conferir uma estatura internacional.
Por Julie Pêcheur
Durante sua última viagem aos Estados Unidos, por ocasião da Cúpula do Milênio da ONU, em setembro de 2000, Fidel Castro encontrou tempo para ir ao "The New York Times". Enquanto percorria os corredores do célebre jornal, diante dos retratos de personalidades que marcaram o século, ele exclamou de repente: "Onde está o retrato de Herbert Matthews? Esse sim era um jornalista!" Mas, apesar de 36 anos de serviço como grande repórter e editorialista, Matthews não faz parte das lendas oficiais do "New York Times".
Por outro lado, a 2.500 quilômetros de Manhattan, no Museu Nacional da Revolução em Havana, o jornalista americano encontrou lugar em uma vitrine, em meio a uniformes militares, retratos de revolucionários e velhos fuzis. O vemos em uma pequena foto preto-e-branco, sentado em plena floresta, de charuto nos lábios e caderno na mão. Ao seu lado, o jovem Fidel Castro também acende um charuto.
"Desembarque patético"
Essa cena pouco conhecida ocorreu em fevereiro de 1957, no crepúsculo úmido da Sierra Maestra, uma região montanhosa no leste de Cuba. Três meses antes, Castro ainda se encontrava no México, onde se havia exilado depois de passar um ano e meio na prisão por sua participação, em 26 de julho de 1953, no ataque de La Moncada, um quartel do exército de Batista em Santiago. Convencido de que os cubanos, desesperados com a violência e a corrupção do regime, estavam prestes a se rebelar, ele havia elaborado e divulgado publicamente um plano muito simples: desencadearia uma insurreição popular em todo o país, fazendo coincidir seu desembarque no sudeste da ilha com um levante previsto em Santiago de Cuba.
Em 25 de novembro de 1956, Fidel Castro e 81 companheiros embarcam em um velho iate, o Granma. Sacudido pelo mar forte e chuvas torrenciais, a frágil embarcação se perde nos manguezais cubanos e chega dois dias atrasada. As metralhadoras de Batista a esperam. Informado do projeto, este último já esmagou sem dificuldades o levante de Santiago. É uma hecatombe. Os corpos de Raúl e Fidel Castro são oficialmente identificados e enterrados pelo exército.
No entanto, uma dezena de sobreviventes - entre os quais os irmãos Castro e Ernesto Guevara - consegue chegar às montanhas. Em 4 de dezembro de 1956, um editorial do "The New York Times" intitulado "Os violentos cubanos" se interroga sobre o objetivo desse "desembarque patético de cerca de 40 jovens que se consideram um exército invasor". O editorialista não se conforma que o chefe dessa aventura, Fidel Castro, pudesse deliberadamente revelar seus planos antes da operação. "Pode-se imaginar uma coisa mais idiota?", ele se interroga, antes de concluir: "Não há a menor chance de que uma revolta tenha sucesso nas atuais circunstâncias", referindo-se ao poderio militar de Batista.
Instinto intacto
Efetivamente, um mês depois, o pequeno grupo que sobrevive na floresta com a ajuda de camponeses locais parece condenado ao esquecimento. A imprensa cubana estava censurada e Castro compreende que deve contatar a imprensa estrangeira para convocar a opinião pública para sua causa. Ele envia um mensageiro a Ruby H. Phillips, a correspondente do "New York Times" em Havana. Conhecida demais das autoridades locais para realizar pessoalmente essa reportagem, Phillips contata o jornal em Nova York, que então envia Herbert Matthews.
Disfarçados de turistas, Matthews e sua mulher, Nancy, partem para a província de Oriente, onde se encontram os homens de Castro na cidade de Manzanillo. Ao cair da noite, os rebeldes conduzem Matthews através dos canaviais e escapam de uma barreira do exército fazendo-o passar por um rico investidor americano. Terminam atravessando a floresta a pé. A subida é íngreme, o terreno escorregadio. Sim, Matthews já viu outros: ele cobriu a Guerra Civil espanhola, a campanha da Itália... Mas, aos 57 anos, esse homem alto e magro não está mais em sua melhor forma.
Seu instinto está intacto, porém. Enquanto espera a noite toda, sentado sobre um cobertor, pela chegada do chefe dos rebeldes, Matthews pressente que talvez se trate de um momento histórico. De fato. O jovem Fidel Castro chega finalmente e lhe dá uma entrevista de três horas - o "furo" de sua vida. "Havia uma reportagem a escrever e uma censura a vencer", escreveu Matthews em suas "Memórias". "Foi o que fiz, e nem Cuba nem os Estados Unidos seriam os mesmos depois disso." Dois dias depois, Nancy esconde em sua cinta as anotações do marido, que trazem a assinatura de Castro como prova de autenticidade, e os Matthews voltam aos Estados Unidos. Em 24, 25 e 26 de fevereiro de 1957 o "New York Times" publica três grandes artigos, dois deles na primeira página. Eles descrevem em detalhe a corrupção do regime Batista e as atrocidades cometidas pelo exército, ao mesmo tempo denunciando o apoio militar e diplomático dos Estados Unidos ao regime.
Rebelde carismático
Essa análise recusa categoricamente a linha oficial que faz de Cuba uma ilha próspera e dócil governada por um regime favorável aos interesses americanos - visão que perdura entre o governo e o público americanos, apesar dos sinais crescentes de forte descontentamento popular. Matthews elogia todos os grupos de oposição, mas diferencia e promove ao primeiro plano Fidel Castro e o Movimento 26 de Julho (dia em que, três anos e meio antes, Castro atacou La Moncada). Ele está convencido por esse rebelde carismático de 30 anos. Afirma que seu programa político é vago, matizado de nacionalismo, de anticolonialismo e antiimperialismo, mas salienta que Castro não sente qualquer animosidade em relação aos Estados Unidos.
O jornalista estima que esses rebeldes são portadores de "uma mudança radical e democrática para Cuba, e portanto anticomunista". Enfim, ele anuncia que os guerrilheiros "dominam" militarmente a Sierra Maestra e humilham regularmente a flor do exército cubano. Ele cita Fidel Castro descrevendo suas tropas, "grupos de dez a 40 combatentes", e ele mesmo avalia o entorno do guerrilheiro em cerca de 40 homens. Na realidade, o Movimento 26 de Julho não tem mais que 18 combatentes, motivados e solidamente idealistas, mas mal armados e completamente isolados.
Dois anos depois, Castro contaria no Overseas Press Club, em Nova York, diante de um Herbert Matthews um pouco incomodado, que enganou o repórter: durante a entrevista seus homens trocaram de roupa e giraram ao redor do jornalista para dar a impressão de que eram mais numerosos. Raúl chegara a interromper a entrevista para dar notícias de uma "segunda coluna" imaginária.
Irritado com os artigos do "Times", Arthur Gardner, o embaixador dos Estados Unidos em Havana, se apressa a tranqüilizar Washington: "Batista tem a situação "sob controle". O comandante militar da província de Oriente, cujos homens são encarregados de eliminar os últimos rebeldes, afirma que "as declarações desse jornalista americano são absolutamente falsas, pois é fisicamente impossível ir à região onde a entrevista imaginária teria ocorrido, pois "ninguém pode penetrar nessa zona sem ser visto". "Na minha opinião", ele conclui, "Matthews nunca pôs os pés em Cuba."
Na ilha, porém, as reportagens têm o efeito de uma bomba. Castro, que enviou um de seus homens a Nova York para fotocopiá-las com urgência, manda distribuir às escondidas milhares de cópias em Havana e em Santiago de Cuba. Alguns dias depois, Batista suspende temporariamente a censura, permitindo que as rádios e os jornais locais comentem os artigos do "Times": assim, todos os adversários do regime ficam sabendo que Castro está vivo e que a luta continua.
Uma propaganda inesperada. Para salvar a face, o ministro da Defesa cubano declara então que "o senhor Matthews não entrevistou o rebelde comunista Fidel Castro" e que "a entrevista e as aventuras descritas pelo correspondente Matthews podem ser consideradas um capítulo de um romance de ficção". Ele se surpreende de que o repórter não tenha aproveitado para se fazer fotografar junto com Castro para autenticar essa fábula. "The New York Times" se apressa então a publicar a declaração do ministro, acompanhada da foto tirada por um dos rebeldes, hoje exposta no Museu de Havana. Batista está convencido de que se trata de uma montagem.
Mas o presidente do Banco Nacional de Cuba entendeu. Então ele lhe sussurra: "Se está publicado no 'New York Times', é verdade em Nova York, é verdade em Berlim, em Londres e em Havana. Você pode ter certeza de que o mundo inteiro acredita nessa história". A seqüência é conhecida. Em 8 de janeiro de 1959, depois de dois anos de combates, Fidel Castro faz uma entrada triunfal em Havana com milhares de guerrilheiros. Já faz dois anos que Herbert Matthews, que se tornou o "senhor Cuba" no "New York Times" desde aquela famosa entrevista, escreve quase todos os artigos e editoriais sobre o assunto.
Ele nunca se afastou de sua primeira impressão: Castro não é um comunista, repete. Ele implora que os americanos ignorem seu mau humor e suas declarações intempestivas. Chega a lhes pedir que apóiem essa revolução social e adverte que, no contexto da Guerra Fria, a deterioração das relações com Cuba faria a ilha cair na trama dos comunistas, que já tentam se apropriar da revolução.
Responsáveis pelo fracasso
Mas em 1960 a linha vermelha é cruzada: a reforma agrária fere diretamente os interesses econômicos americanos e as relações diplomáticas ficam perigosamente tensas. No "New York Times", Matthews é gradualmente marginalizado, considerado culpado de subjetividade. Ele continua escrevendo editoriais, mas não é mais enviado a Cuba. Em janeiro de 1961, o presidente Eisenhower rompe relações diplomáticas com Havana; a revolução desliza para o comunismo - os Estados Unidos perderam Cuba. Para a direita americana, os aliados de Batista e a imprensa conservadora, Herbert Matthews e "The New York Times" são e continuam sendo até hoje os responsáveis por esse fracasso.
Em 1960, o embaixador Earl T. Smith, que substitui Gardner, acusa o jornalista de ter influenciado o Departamento de Estado americano. Diante do subcomitê do Senado para assuntos internos, ele anuncia que as reportagens do "New York Times" "permitiram que Castro adquirisse uma estatura internacional e um reconhecimento mundial. Até então havia sido apenas mais um bandido nas montanhas de Oriente ...". No mesmo ano, uma caricatura publicada na revista conservadora "The National Review" mostra Castro montado em Cuba, com a legenda "Encontrei meu emprego no 'New York Times'".
Em uma carta dirigida a seu amigo Ernest Hemingway, encontrada durante a Guerra Civil espanhola, Matthews conta que manifestantes se reuniram diante do prédio do "New York Times" para protestar contra ele. "O que tenho sofrido ultimamente!", ele se queixa. Está profundamente decepcionado com o rumo que tomam os acontecimentos, tanto em Cuba quanto nos Estados Unidos. Mas continua convencido de que não se enganou, que Castro não é comunista, que operou uma aproximação pragmática com esse partido somente a partir de 1960.
Depois de ter recebido ameaças de morte, o jornalista é colocado sob a proteção do governo. Ele deve deixar precipitadamente a tribuna da Universidade do Novo México depois de um alerta de bomba. Também é excluído da Associação Interamericana de Imprensa e prefere evitar o Overseas Press Club. Em 1965 o próprio Eisenhower o acusa de ter "quase sozinho" feito de Castro "um herói nacional".
Mesmo depois de sua morte, em 1977, 20 anos depois de seu encontro com Fidel Castro na Sierra Maestra, Matthews continuou sob o ataque dos conservadores. Em 1987, William Ratliff, um pesquisador do Instituto Hoover da Universidade Stanford, ainda diria: "Raramente na história um único escritor teria dado o tom com tanta influência (...) quanto a um personagem, um movimento, um fenômeno histórico". Herbert Matthews sempre negou ter "feito" Castro. Aos olhos dele, tratava-se apenas de "um homem prometido a um destino fora do comum, que teria acabado se impondo de qualquer maneira". É muito provável. Mas os artigos do "New York Times" talvez tenham acelerado o curso da história.
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