jueves, diciembre 06, 2007

O Espelho da História


O Espelho da História
Artigo publicado no Jornal do Commercio, no dia 30/11/2007
Cristovam Buarque *
  • El Blog de Cristovam


  • Da mesma forma que se faz receita de bolo, é possível fazer uma receita de regimes político autoritários. A Venezuela era uma democracia, e fabricou um regime autocrático por causa de uma sistemática repetição de comportamentos equivocados dos seus políticos.

    Manutenção de privilégios, tais como o foro especial para parlamentares, insensibilidade diante dos problemas do dia-a-dia do povo, demora no enfretamento dos problemas concretos da população pobre. Falta de lideranças que antecipem o futuro e manifestem as necessidades de mudança para que o País dê o salto dos novos tempos. Troca de votos por mensalão, falta de substância e de coerência de políticos e partidos, aumento de impostos repudiados e absolvição de colegas condenados pela opinião pública. O Congresso sujeito ao papel legislativo do Executivo, por medidas provisórias, e do Judiciário, por medidas liminares. O povo começa a se perguntar: para que despender tanto dinheiro.

    A desmoralização do Judiciário é outro ingrediente, quando seus membros passam a idéia de que dedicam mais tempo aumentando seus salários do que fazendo justiça, dentro de palácios ostentadores, quando falta moradia para o povo.

    Sobretudo quando seus salários já são os maiores da sociedade e, em certos momentos, chegam perto de 100 vezes o salário mínimo. A impunidade dos ricos que podem pagar bons advogados ou têm conexões no Judiciário, enquanto os pobres são sempre presos por causa dos mais simples crimes, em cadeias desumanas, ao passo que, se por acaso um rico é preso, tem cadeia especial.

    Quando a mídia passa a impressão de que dissemina informações com parcialidade e sem credibilidade, a democracia perde um pilar determinante. Ainda mais quando se limita a denúncia da corrupção ao comportamento dos políticos, ignorando a corrupção nas políticas públicas.

    A democracia se esvai no vazio no silêncio dos intelectuais. Sobretudo se, em busca de verbas governamentais, eles se calam diante dos erros dos governos. E se protegem no corporativismo.

    Com a cooptação dos movimentos sociais e a passividade das associações de estudantes diante dos governos, dos reitores, do professores, o autoritarismo começa a crescer. Com os sindicatos acomodados, buscando somente pequenas vantagens corporativas, aliados à elite, esquecendo o povo e desculpando o governo, cresce o apoio ao autoritarismo no seio do povo excluído, ainda mais ante a passividade dos universitários perante os erros dos governos.

    Mas de todos os ingredientes do bolo autoritário, nada é mais grave do que a insensibilidade da elite diante do sofrimento do povo. O choque entre o luxo e o lixo gera um círculo vicioso que favorece o autoritarismo.

    Por mais democrática que seja a formação dos quadros das Forças Armadas, elas não resistem ao abandono, seja pela obsolescência de seus equipamentos, seja pelos baixos salários e pela falta de verbas para manter seu funcionamento, especialmente a alimentação de seus recrutas. Isso se agrava se as Forças Amadas percebem que as fronteiras estão abandonadas e a democracia é corrupta e ineficiente. Por mais que sejam democráticas, surgirá entre seus membros um autocrata com grande capacidade de liderança.

    Todas essas condições, que ocorrem no Brasil de hoje, se parecem muito com a Venezuela de alguns anos atrás, e nossa omissão pode fazer com que a Venezuela de hoje se pareça com o Brasil, no futuro próximo. Como um espelho da história.


    * Professor da Universidade de Brasília, senador pelo PDT / DF.

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