domingo, marzo 09, 2008

Por que Chávez quer la Guerra


O destempero verbal é uma característica dos caudilhos fanfarrões e, na maior parte das vezes, não deve ser tomado ao pé da letra. A saraivada de insultos e ameaças disparados por Hugo Chávez contra o governo da Colômbia pertence a uma dimensão mais perigosa – aquela na qual trafega o projeto de poder totalitário da esquerda radical na América Latina, único lugar do mundo onde essas sandices que envenenaram o século XX ainda parecem ter algum fôlego.

A verborragia do presidente venezuelano é um elemento da estratégia de fomentar tensões na região. Caso os colombianos caíssem na armadilha de reagir à mobilização de tropas venezuelanas, na semana passada, Chávez talvez tivesse conseguido o que queria. Ele desejava uma escalada militar. Nas sombras, por procuração, Chávez já se envolveu na luta armada contra o governo democrático do país vizinho.

O governo chavista é hoje o principal patrocinador político e financeiro das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). A esquerda radical da América Latina, liderada por Chávez, sonha usar essa organização, cuja especialidade são os seqüestros e o narcotráfico, para criar um clima de guerra que cause a desestabilização dos governos democráticos do continente. Ironicamente, a oportunidade para tocar esse projeto foi fornecida por uma nova derrota do terrorismo.

Na madrugada de sábado, primeiro dia de março, um ataque aéreo colombiano devastou um acampamento das Farc instalado nas matas do Equador, a menos de 2 quilômetros da fronteira com a Colômbia. O bombardeio matou Raúl Reyes, o segundo na hierarquia da organização, e 22 de seus companheiros. Reyes era um dos sete membros do secretariado, o comando central das Farc. Dos escombros do acampamento, os militares colombianos recolheram o corpo do chefe terrorista e três computadores portáteis cujo conteúdo se revelou explosivo. Nos arquivos digitais estava a correspondência interna da organização. Nela se pode ler que Chávez entregou ou iria entregar 300 milhões de dólares ao terror e que eram excelentes as relações com o governo do presidente do Equador, Rafael Correa (veja quadro).

Chávez pranteou o morto com um minuto de silêncio em seu programa semanal de televisão. Em seguida, pôs-se a divagar sobre a longa amizade existente entre eles. Contou que, depois de deixar a prisão (fora preso como cabeça de um golpe militar fracassado), em 1994, compareceu a uma reunião do Foro de São Paulo, em El Salvador. Ali teve a oportunidade de conhecer Lula, então apenas um líder de oposição, e também o terrorista Reyes. O ataque colombiano constituiu-se em inquestionável violação do território do Equador. Mas o episódio teria ficado por aí, tivesse os dois países igual interesse em reprimir o narcoterrorismo – coisa que, sabe-se agora, não está nos planos do Equador. Em 1998, tropas colombianas utilizaram, sem permissão, uma pista do Exército brasileiro no Amazonas para atacar guerrilheiros na Colômbia. Houve protesto oficial do Brasil, a Colômbia se retratou publicamente e o incidente encerrou-se sem maiores percalços.

Dada a oportunidade, Chávez fez soar as "trombetas da guerra", como disse seu mentor Fidel Castro. Mobilizou tropas, fechou as fronteiras e rompeu relações diplomáticas. Equador, Bolívia e Nicarágua, estados clientes de Caracas, fizeram o mesmo. Com a ajuda diplomática do Brasil e de outros países, o contencioso foi levado à Organização dos Estados Americanos (OEA). Saiu dali um acordo morno, que reafirmou a inviolabilidade das fronteiras, mas não condenou a Colômbia. O balanço do episódio desnuda uma distorção de valores existente no continente. "Dez anos atrás, financiar um grupo terrorista em um país vizinho com dinheiro público, como faz a Venezuela, seria uma atitude impensável e absolutamente condenável por qualquer regime", observa o boliviano Eduardo Gamarra, diretor do Centro para a América Latina e o Caribe da Universidade Internacional da Flórida. Hoje, Chávez faz isso com naturalidade, como se a promoção do terror fosse um direito natural de cada governante.

O presidente Chávez diz que seu objetivo é unir toda a América do Sul em um único país, projeto que ele atribui a Simon Bolívar, o herói venezuelano do século XIX. A diferença entre o presidente venezuelano e outros líderes esquerdistas com delírios similares é que Chávez tem poder econômico para bancar aventuras. "Por falta de recursos, Fidel Castro foi forçado a restringir o financiamento e o treinamento de grupos guerrilheiros", diz o ensaísta peruano Álvaro Vargas Llosa. "Como tem dinheiro, Chávez partiu para um patamar superior, influenciando diretamente grupos e países." Sob a fachada da solidariedade bolivariana, Chávez busca estabelecer relações de dependência com os vizinhos. Na Bolívia, ele financiou a carreira de seu clone, Evo Morales. Rafael Correa é grato pelo petróleo equatoriano que a Venezuela refina a preços camaradas. "Não por acaso, os países mais subalternos a Chávez, a Nicarágua e a Bolívia, são justamente aqueles que mais necessitam de sua ajuda econômica", aponta o venezuelano Elias Pino, da Universidade Católica Andrés Bello, em Caracas.

Chávez identifica na Colômbia o maior obstáculo a seu plano de expansão da revolução bolivariana, especialmente na América do Sul. O país é uma democracia, usufrui economia próspera e se tornou um aliado-chave dos Estados Unidos. O povo apóia majoritariamente o governo do presidente Álvaro Uribe e o sistema democrático. Quer distância do chavismo e de outras excentricidades. A Colômbia é exatamente o contrário de tudo aquilo que Chávez acredita e defende. O presidente da Venezuela sabe que, enquanto as Farc mantiverem a campanha de terror, não apenas o presidente Uribe mas a própria Colômbia estarão impedidos de exercer um papel de liderança na região.

Apesar do dinheiro fácil do petróleo, a economia da Venezuela anda mal das pernas. A população está irritada com a inflação, com a escassez de produtos básicos e com o aumento da criminalidade. O presidente precisa desviar as atenções para um inimigo externo. Ao que parece, sem sucesso. Pesquisas mostram que 85% dos venezuelanos discordam de seu comportamento nessa crise. Talvez ele tenha apostado no cavalo errado. As Farc têm sido impiedosamente surradas pelo Exército colombiano. Apesar de a ajuda venezuelana ter lhes dado algum fôlego, o cerco aperta. Apenas três dias depois da morte do número 2, foi morto Ivan Rios, o número 3 das Farc. Por isso, todos se perguntam onde anda Manuel Marulanda, o chefe supremo da organização. Os boatos são de que se refugiou na Venezuela, sob as asas de Hugo Chávez.

Com reportagem de Alexandre Salvador

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