miércoles, julio 09, 2008

Entrevista a Ingrid Betancourt


O jornalista Andrei Netto fala sobre a entrevista com Ingrid Betancourt


Como é voltar à civilização?

Voltar à civilização é muitíssimo mais fácil do que cair na pré-história. O contexto no qual estava era muito difícil. E mentalmente era especialmente difícil, porque estávamos em um sistema militar. Eu sempre tinha dificuldade para cumprir os horários que nos impunham. Nós, mulheres, temos necessidades diferentes - e eu estava entre prisioneiros homens. Então me diziam: "Organizar equipe!" Eu entrava em pânico, porque em cinco minutos todos os meus companheiros estavam prontos. Eu, em cinco minutos, estava pensando: "Onde vou guardar isso? Como vou fazer com minha toalha molhada?" Isso provocava maus-tratos e ameaças por parte dos guardas.

Como está sendo a adaptação às novidades tecnológicas?

Há muita coisas novas e elas espantam. Há alguns anos eu era muito ágil na internet. Via pessoas capazes e com medo de informática e não entendia. Agora estou na mesma situação. Mas só por alguns dias. Logo vou aprender a manejar tudo que vocês têm (aponta para os gravadores digitais).

Você acha que Chávez é condescendente com os guerrilheiros ?

Não sei nada das Farc nesse sentido. Mas elas sentem Chávez próximo. O que aprendi em todos estes anos sobre as Farc é que são uma organização autista, fechada. São de outro planeta, outra civilização. Usam outro parâmetro de lógica. Parece-me que, se as Farc se mantiverem alienadas do mundo, com tantos golpes que sofreram ultimamente, sua derrota militar vai ser fácil.

Há o que negociar com quem está em outro planeta?

Acho que há o que negociar. Há pessoas que podem servir de ponte entre o estágio pré-histórico deles e o mundo atual. Creio que há pessoas que têm essa habilidade.

Só Chávez? Por que não Kirchner ou Lula?

Por alguma razão, as Farc acham que Chávez fala seu idioma.

No que Lula poderia ajudar?

Ele pode ajudar a melhorar a relação entre Chávez e Uribe. Eu acho que Chávez pode ser o contato, o transmissor para as Farc. E necessitamos que Chávez e Uribe ajam juntos. Chávez pode ser ouvido. Uribe precisa tomar as decisões.

Você teme represália das Farc aos reféns que ainda estão na selva?

É possível que diminuam o tamanho da corrente que os prende do pescoço às árvores, que lhes tirem os sapatos. Vivemos uma época em que nos obrigaram a ficar 24 horas na selva sem sapatos. Havia escorpiões, aranhas, as concas - formigas grandes que picam e são venenosas. Andar descalço é um absurdo. Esse tipo de retaliação pode acontecer.

Sua família pediu que fique em Paris, por questões de segurança. Você recebeu alguma ameaça?

Graças a Deus, não. Entre outros motivos, porque não teriam como se comunicar comigo - não tenho celular, por exemplo. Mas estou preocupada. Luiz Eladio Pérez, que também foi refém, tem se dedicado a lutar pela liberdade de todos os demais. Ele me disse que o estão ameaçando. Ele pensa em deixar a Colômbia por alguns meses. Está muito angustiado com isso.

Há condições de segurança para voltar logo à Colômbia?

O que acontece com a marcha do dia 20 é que ela se presta muito a um atentado. Já tem muita propaganda, vai haver muita gente e será difícil controlar a multidão. É preciso que sejamos prudentes. Posso voltar a qualquer momento, mas se não aviso eles não terão tempo de preparar nada contra ninguém.

Você vai ao Brasil?

Sim. Vou a vários países.

Você voltou de seu cativeiro muito espiritualizada. Vem citando a Virgem de Guadalupe...

Venho citando todas as Virgens, em especial a de Guadalupe. Todas contribuíram para a minha libertação. Há Fátima, há Lourdes. Não sou espiritualista. Mas senti uma energia que me impactou muito quando estive no México e visitei a Basílica de Guadalupe. No cativeiro, tentava me conectar com essa energia, ou pelo menos com a sensação. Não vi luzes, nada especial. Mas era uma energia forte.

O que tudo isso mudou em sua vida, como mulher?

Aprendi a compreender os homens e sobre a relação dos homens com as mulheres. Cresci em uma família de mulheres, com um pai que aceitava com alegria o que nós, as mulheres, lhe dizíamos. Nunca tinha sentido o machismo. É mais do que a dominação. É uma necessidade de fazer mal à mulher. Parecem temer que a mulher possa manipulá-los, não pela força, mas pela inteligência.

Você está dividida entre as demandas de sua família e as de sua vida?

Tento simplesmente ir vencendo a batalha pouco a pouco. A primeira batalha era estar em minha terra, com os colombianos. A segunda era estar com a minha família na França. Depois, quero agradecer à Virgem. Depois quero descansar com meus filhos, com minha mãe, sem agenda, tranqüila, num lugar fechado ao público. Ainda não pude sentar e contar sobre o cativeiro.

Quer ser presidente?

Sempre me fazem essa pergunta. Incomoda-me um pouco, porque parece um objetivo em si. Não é meu objetivo.

Mas pode ser um meio para alcançar as transformações que você defende.

Claro, exatamente. Mas, agora, não é prioridade. Não quero ver isso como uma obsessão. Não quero mais isso de entrar na arena, combater gente... Essa política da agressão... A palavra "política" não me agrada.

Por quê?

Porque tem uma conotação de egoísmo, de picuinha, tudo o que não é bom. Precisamos encontrar outra palavra ou encontrar outra maneira, sem precisar utilizar os métodos convencionais.

E o amor?

E o amor... Tenho o meu marido. É preciso também que ele me siga. Enfim, não sei se ele vai querer me seguir. Mas tenho um marido e precisamos ver isso.

Na Colômbia há informações de que havia um grupo de mercenários que se organizava para tentar libertá-la. É verdade?

Não sei. Mas, se é verdade, é uma loucura. O êxito de uma operação só poderia se dar como aconteceu. Não foi disparado um tiro. Ninguém usou violência. Ninguém foi ameaçado. Foi uma montagem, uma armadilha, um ato de inteligência e picardia. Não foi pela força. Qualquer iniciativa que use a força é muito perigosa.

Qual é o vínculo das Farc com o narcotráfico?

Há maneiras muito precisas em que esse vínculo se manifestava. A primeira é que 90% dos guerrilheiros eram camponeses que cortavam a planta de coca e a levavam para o laboratório, onde seria mesclada com os químicos. Outra: todas as fazendas em que ficávamos haviam sido campos de coca. A coca é parte do sistema Farc.

Eladio Pérez disse que você chegou a ser ameaçada por outros reféns. É verdade?

Tivemos experiências duras.Mas não vou falar disso. Creio que a síntese do cativeiro é a profunda solidariedade que tiveram os militares e policiais com os meus companheiros de seqüestro. Se for recordar o que aconteceu, não vou recordar os pequenos insucessos. Vou lembrar dos momentos em que contamos com a solidariedade dos companheiros, em particular de William Pérez, enfermeiro do Exército. Ele usou sua experiência comigo no momento em que estive para morrer e me socorreu.

E sobre fugir a nado, foi verdade?

Sim, para o Brasil. O cálculo que fizemos foi que estávamos em rios da bacia do Amazonas. Tínhamos claro que, se nos deixássemos levar pela corrente, algum dia chegaríamos a Manaus. Ainda vou a Manaus, mas livre!

No hay comentarios.: